Uma rede criada pelo Ministério da Justiça conseguiu identificar R$ 11 bilhões movimentados por esquemas de lavagem de dinheiro no país de 2009 até junho deste ano.
Com uma nova lei em vigor desde a semana passada, após ser sancionada pela presidente Dilma Rousseff, esse valor tende a aumentar por permitir enquadrar como crime de lavagem os recursos obtidos a partir de qualquer infração penal.
Pela lei antiga, era necessário que os recursos tivessem origem em uma lista restrita de crimes. Sonegação e roubo ficavam de fora.
Um caso notório recente em que a lei antiga levou à anulação do processo por lavagem envolveu dirigentes da Igreja Renascer. O STF entendeu que a Promotoria não conseguiu provar nenhum dos crimes listados.
O chefe da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros e Desvios de Recursos Públicos da Polícia Federal em São Paulo, Rodrigo Luis Sanfurgo de Carvalho, diz que agora as investigações ficarão mais rápidas porque a nova lei permite que a polícia peça informações cadastrais de investigados a bancos e operadoras independentemente de autorização judicial.
O sigilo bancário e fiscal continua protegido pela legislação, segundo o delegado.
Para órgãos que combatem crimes de lavagem de dinheiro, a nova lei é um avanço, mas o Brasil ainda não aperfeiçoou mecanismos para investigar grupos organizados que conseguem esconder a origem do patrimônio ilegal.
Os instrumentos para investigar as quadrilhas estão previstos no projeto de lei das organizações criminosas, as Orcrims, que tramita no Congresso desde 2009. Segundo o secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, haverá uma mobilização pela lei por meio da Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro).
“É a prioridade número 1, para que o Brasil possa cumprir a Convenção de Palermo”, diz. Abrão faz menção à Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional, da qual o Brasil é signatário desde 2004.
No Brasil, os métodos usados já dão resultados bem abaixo dos obtidos em países mais bem aparelhados, afirma o procurador Rodrigo de Grandis, coordenador substituto do grupo especializado em lavagem de dinheiro do Ministério Público Federal.
O projeto de lei das Orcrims visa normatizar a ação dos agentes infiltrados, a delação premiada e as operações controladas, quando a polícia deixa a quadrilha prosseguir nos crimes para poder desmontar todos os seus braços.
Como a legislação não é clara, afirma De Grandis, faltam garantias para a ação dos infiltrados e das pessoas que se dispõem a fazer a delação premiada. “Hoje, são situações que geram insegurança e os tribunais podem anular investigações”, diz.
Advogados criticam fim da lista de infrações
O resultado da nova lei de lavagem de dinheiro na estrutura legal do país vai depender da regulamentação do texto e de como ela será aplicada pelos tribunais no dia a dia, segundo advogados ouvidos pela reportagem.
O advogado Jair Jaloreto, especialista em crimes do colarinho branco e lavagem de dinheiro, critica o fim da lista de infrações.
“A lei passa a permitir uma interpretação subjetiva e discricionária, qualquer tipo de conduta pode ser enquadrado. O melhor seria que houvesse um rol taxativo, delimitado, de crimes graves”, diz.
Com a nova lei, afirma Jaloreto, mesmo casos em que foi configurada somente uma situação culposa (quando não há intenção) a pessoa pode ser punida, perdendo ou tendo seus bens bloqueados.
Outro problema, segundo o advogado Fabio Tofic, sócio fundador do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), é a possibilidade de advogados terem de informar indícios de crime de lavagem cometidos por clientes. “Porém, a Constituição confere à advogacia o sigilo da relação com o cliente. Não há o que possa mudar isso.”
Em razão da dúvida sobre o papel do advogado no novo texto legal, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) vai avaliar as repercussões da aplicação da lei para a profissão antes de adotar alguma posição.
(JOSÉ ERNESTO CREDENDIO E FLÁVIO FERREIRA)