Combatido por integrantes do meio jurídico, o projeto de lei complementar que institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União (AGU) contém, na opinião de juristas consultados pelo Estado, artigos com potencial de “amordaçar” opiniões técnicas de advogados em ação nos ministérios que vão contra as posições de consultores jurídicos nomeados por força do apadrinhamento político.
O projeto enviado ao Congresso Nacional tem 25 páginas, incluindo 2 apenas para expor motivos. Em 58 artigos, “altera a Lei Complementar n.º 73, de 10 de fevereiro de 1993, que institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União”. Para os especialistas consultados, o formato original da proposta traz riscos à atuação independente dos advogados da União.
Segundo eles, uma combinação de artigos teria o condão de submeter o corpo técnico-jurídico que hoje atua na Esplanada aos interesses políticos, muitas vezes contrariando interesses do primeiro escalão das pastas.
Isso porque, embora se diga no art. 26.º, parágrafos 4.º e 5.º, que os membros da AGU não são passíveis de responsabilização pelo exercício regular de suas atribuições e por suas opiniões técnicas, ressalvada as hipóteses de dolo ou erro grosseiro, o parágrafo seguinte praticamente, segundo juristas, amarra o advogado da União, ao prever que “para fins dos parágrafos 4.º e 5.º, considera-se erro grosseiro a inobservância das hierarquias técnica e administrativa fixadas nesta Lei Complementar (…)”.
Especialistas dizem que o dispositivo abre margem para a punição de autores de pareceres contrários, no âmbito dos ministérios, aos tomados por consultores jurídicos que não necessariamente integram a carreira pública. Tal entendimento é reforçado pela leitura do art. 41.º-A, que diz que o “parecer emitido por membro da Advocacia-Geral da União guardará conformidade com as posições e fundamentos jurídicos dos órgãos superiores da Instituição”.
A subordinação a consultores “políticos” se daria porque o artigo 58.º afirma que “os cargos de Consultor Jurídico dos Ministérios são privativos de bacharel em Direito, de elevado saber jurídico, com no mínimo cinco anos de prática de atividade jurídica”.
Para os opositores do projeto tal qual está desenhado, o artigo franqueia a não integrantes da AGU o cargo de consultor jurídico de ministério. A combinação com o artigo 41.º-A colocaria o concursado em desvantagem e em estado de inibição técnica diante do quadro indicado pelo ministro titular da pasta.
Sob controle. Em entrevista ao Estado, o presidente da Associação Nacional dos Advogados da União, Marcos Luiz Silva, avalia que o projeto “aparelha” a AGU e prevê opiniões mais limitadas dos membros da instituição, que ficariam sob controle absoluto dos chefes. Silva afirma que o projeto prevê punição para profissionais concursados que não endossarem orientações superiores. Ele avalia que o texto é um “retrocesso” ao permitir que um concursado seja obrigado a atuar de acordo com as conveniências políticas determinadas por um chefe não concursado.
Na mesma linha está o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante. Ele disse ao Estado que vai pedir às comissões nacionais de advocacia pública e de legislação da entidade que avaliem o projeto de lei complementar do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams.
“Se vier a se confirmar a suspeita de que isso está diminuindo a independência técnica do advogado público, nós vamos tentar, num primeiro momento, articular a retirada do projeto”, anunciou Cavalcante.
Se a providência não tiver sucesso e a lei for aprovada, a entidade poderá questioná-la na Justiça por meio de um mandado de segurança ou por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade.
Sem concurso. Outro item do projeto que será analisado pelas comissões da OAB é o que prevê a nomeação como advogados federais de pessoas de fora da carreira e sem concurso público. “Hoje, nos ministérios, as consultorias são cargos de confiança dos ministros. O ideal seria que tivéssemos advogados das carreiras nas chefias das consultorias. A Ordem sempre defendeu que fosse da carreira”, afirmou Cavalcante.
Ministro sai em defesa de proposta e nega aparelhamento
O ministro Luís Inácio Adams apresentou ontem informações e pareceres sobre a proposta de alteração da lei orgânica da Advocacia-Geral da União (AGU). Em reação às críticas ao projeto, ele convocou entrevista coletiva e negou que o texto encaminhado pela presidente Dilma Rousseff ao Congresso leve ao “aparelhamento” do órgão. Também defendeu que a instituição tenha “fala uniforme e homogênea”.
Segundo o ministro, o projeto de lei mantém, ainda que em porcentual menor, a prática de preenchimento de cargos comissionados por pessoas sem vínculo com a instituição. Adams argumentou que hoje, dos 611 cargos comissionados, 66 são preenchidos por advogados públicos concursados. Com a nova lei, alegou, o número subirá para 350. Entidades sindicais da área defendem que 100% dos postos sejam ocupados por advogados concursados.
“É fato que muitos defendem a exclusividade total dos cargos comissionados para advogados públicos. Mas a administração pública não é integralmente chefiada por servidores públicos”, afirmou. “O servidor público não foi eleito. Ele tem a legitimidade da técnica e da meritocracia, mas não dos anseios da sociedade.”
O ministro rechaçou a crítica de que a AGU será “aparelhada” se o projeto for aprovado. “A ideia de aumento de um aparelhamento é inverossímil, não corresponde à realidade. Estamos propondo o fortalecimento da instituição, garantindo um perfil técnico”, sustentou.
O ministro também fez um histórico da AGU. “Em quatro governos – Itamar, Fernando Henrique, Lula e agora Dilma – a AGU sempre se pautou pela técnica e pela meritocracia, sem interferência de conteúdo partidário.”
‘Fala uniforme’. Questionado sobre uma eventual “mordaça” dentro da AGU, Adams alegou que a padronização é importante para o órgão e afirmou que “nenhum advogado público será punido por emitir opinião jurídica, exceto por dolo ou erro grave”.
“Todo brasileiro tem de saber qual é a posição da AGU”, disse. “Não pode ocorrer na AGU o que ocorre em outras instituições, cada advogado falando por conta própria”, afirmou, numa alusão ao Ministério Público. “Os advogados têm de ter fala uniforme e homogênea e precisam repassar segurança jurídica para o administrador.”
Adams disse que o projeto condensa uma legislação esparsa. Ele citou a inclusão, no âmbito da instituição, da Procuradoria-Geral do Banco Central e da Procuradoria-Geral Federal. Também ressaltou que o Conselho Superior da AGU, que hoje atua apenas na realização de concursos públicos, terá presença na gestão do órgão.