A 8ª Câmara do TRT-15 não deu provimento a recurso de uma empresa do ramo alimentício, mantendo assim a sentença proferida pelo juízo da Vara do Trabalho de Orlândia, que condenou a reclamada ao pagamento de indenização de R$ 50 mil por danos morais coletivos, a ser revertida para a Creche Municipal de Nuporanga (local em que as empregadas da empresa amamentam seus filhos). A condenação se deveu, segundo ratificou o acórdão da 8ª Câmara, ao descumprimento das normas de proteção à maternidade, em especial os artigos 389 e 396 da CLT.
No recurso contra a sentença proferida pela VT de Orlândia, que julgou procedente em parte o pedido formulado nos autos da ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), a empresa pediu a reforma da decisão de primeiro grau, no sentido de afastar “as obrigações de fazer impostas” ou pelo menos ocorrer “a redução do valor das multas cominadas”. Pediu também a exclusão da indenização por danos morais coletivos.
A empresa, em seu recurso, afirmou que o MPT “não comprovou que as medidas adotadas pela ré não seriam suficientes a atingir a finalidade do artigo 389, parágrafo 1º, da CLT, uma vez admitido que possui instalações destinadas à guarda dos filhos de suas empregadas no período de amamentação e, ainda, que existe convênio firmado com a Creche Municipal de Nuporanga”. A reclamada ainda afirmou que “as especificações exigidas pelo Ministério Público relativamente ao local destinado à guarda dos filhos das empregadas não encontram respaldo legal, sobretudo diante do preceituado pelo artigo 400 da CLT”. Também afirmou que não houve dano moral coletivo a justificar a indenização no importe de R$ 50 mil.
O relator designado do acórdão da 8ª Câmara, desembargador Flavio Allegretti de Campos Cooper observou que “a proteção à maternidade é um direito constitucionalmente garantido às trabalhadoras (artigo 6º da Constituição Federal), e a existência de uma creche custeada pela empresa ou o pagamento do auxílio-creche afigura-se como um dever do empregador, previsto no artigo 389, parágrafo 1º, da CLT”. A decisão colegiada acrescentou que “a Convenção 103 da Organização Internacional do Trabalho reconhece, em nível internacional, o direito à proteção da saúde da gestante ou lactante”. E, ainda, “nesse sentido, o artigo 5º da referida Convenção, ratificado pelo Brasil (Decreto nº 58.820/1966), aduz que, se a mulher estiver em período de amamentação, será autorizada a interromper seu trabalho com esta finalidade durante um ou vários períodos cuja duração será fixada pela legislação nacional”, concluiu.
A 8ª Câmara salientou que a Convenção 103 da OIT, regulamentada pelo artigo 396 da CLT, disciplina que “a mulher empregada faz jus a dois descansos especiais, de meia hora cada um, durante a jornada de trabalho, destinados à amamentação do próprio filho”, e o artigo 389, parágrafo 1º, da CLT prescreve que “os estabelecimentos com, pelo menos, 30 mulheres, com mais de 16 anos de idade, terão local apropriado que permita às empregadas guardar sob vigilância e assistência seus filhos no período de amamentação”.
Já a empresa informou que recusou a proposta, feita pelo MPT, de Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta, porque, segundo ela mesma afirma nos autos, “as empregadas preferem a redução da jornada em uma hora diária à concessão dos dois intervalos, e, para aquelas que optem pelos descansos, há creche destinada para tal fim”. A Câmara, contudo, entendeu que “as declarações juntadas pela recorrente não são suficientes para demonstrar a real manifestação de vontade das empregadas, tendo em vista a padronização desses requerimentos”, e ainda afirmou que “a obrigatoriedade de concessão dos descansos especiais para amamentação configura direito indisponível da trabalhadora, não podendo ser transacionado pelas partes, por proteger a saúde da empregada e do bebê”.
O acórdão destacou, quanto à creche conveniada, que, “embora haja permissivo legal, constante do artigo 389, parágrafo 2º, da CLT, tal deve ser aplicado em conjunto com o artigo 400 do mesmo diploma legal, que estipula as condições mínimas de adequação dos locais destinados ao descanso especial”, e, nesse sentido, “o local de guarda dos filhos deve possuir, no mínimo, um berçário, uma saleta de amamentação, uma cozinha dietética e uma instalação sanitária”, concluiu. As fotos juntadas aos autos, no entanto, mostram “uma saleta ‘equipada’ apenas com uma poltrona e duas cadeiras plásticas, nitidamente inadequada às finalidades às quais deveria se destinar, em flagrante desrespeito às exigências legais”, afirmou a decisão da 8ª Câmara.
O acórdão ressaltou, por fim, a possibilidade de a empresa substituir o fornecimento de local adequado, destinado à amamentação. Segundo afirmou, “a Portaria 3.296/1986 possibilita às empresas a adoção do sistema de reembolso-creche, impondo quatro exigências (artigo 1º, incisos I a IV) que deverão ser observadas, caso a empresa opte por esse sistema”. Dentre as exigências, “o reembolso deverá cobrir todas as despesas efetuadas com o pagamento da creche de livre escolha da empregada-mãe, nas condições, prazos e valor estipulados por instrumento coletivo”. Entretanto, a decisão colegiada afirmou que a empresa não optou pelo pagamento substitutivo do “reembolso-creche”, considerando “suficiente o convênio firmado com a Creche Municipal de Nuporanga ou a redução da jornada laboral em uma hora, equivalente aos dois intervalos de 30 minutos legalmente previstos”. Por isso, “apesar de reputar válida a cláusula 15ª do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), que estipula o valor do respectivo reembolso em 15% do piso da categoria especificado na cláusula 3ª do mesmo ACT, tal não socorre a recorrente no sentido de afastar sua condenação, posto que a mera previsão do reembolso em instrumento coletivo não isenta a responsabilidade patronal pelas condições inadequadas da creche”.
Em conclusão, o acórdão manteve a sentença, inclusive quanto ao dano moral coletivo, “diante da não observância dos requisitos legais mínimos para adequação dos locais de amamentação”, o que, segundo afirmou a decisão colegiada, fez com que a empresa assumisse “o risco por eventuais danos à saúde do bebê, que deve alimentar-se exclusivamente com leite materno até os seis meses de vida”. A Câmara concluiu que essa “violação a preceito assegurado pela Constituição Federal, independentemente se está ou não vinculada a reações psíquicas da vítima, enseja compensação indenizatória, sendo a dignidade humana o fundamento central dos direitos humanos, devendo ser protegida ou reparada, quando violada”.