Uma decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) pode incentivar empresas a implementar planos de Participação nos Lucros e Resultados (PLR). O entendimento do órgão administrativo, considerado inédito por advogados, admite uma leitura mais flexível da lei que regulamenta o benefício. Os conselheiros consideraram válidos planos de uma empresa de armazenagem de gás liquefeito de petróleo (GLP) que não tinham a assinatura de um representante do sindicato da categoria e foram firmados no mesmo ano de pagamento do benefício. Os programas ainda estabeleciam valores maiores a diretores.

A empresa foi autuada em 2004. A Receita Federal considerou que alguns pontos dos programas de PLR para os anos de 2003 e 2004 estavam em desacordo com a Lei nº 10.101, de 2000, que trata do benefício. Para o Fisco, os valores pagos aos funcionários eram parcelas salariais, sobre as quais incidiria a contribuição previdenciária.

A autuação seria de aproximadamente R$ 1 milhão, acrescida de multa e juros, de acordo com o advogado da companhia, Eduardo Fleury, do Fleury e Coimbra Advogados. O grupo ao qual pertence a companhia responde em outros três casos similares. Só uma das autuações alcançaria R$ 15 milhões.

Para embasar a autuação, a fiscalização apontou três irregularidades, que foram afastadas pela 4ª Câmara do Carf. Uma delas foi o fato de não constar, nos acordos, a assinatura de um representante do sindicato da categoria. O sindicalista apenas acompanhou as negociações.

Na decisão, o relator do caso, Thiago Taborda Simões, entende que a Lei nº 10.101 considera necessária apenas a participação do sindicato, não sendo fundamental a assinatura. O conselheiro destaca ainda que a ausência do aval da entidade não significa, necessariamente, que há discordância dos termos pactuados entre as partes. “Fato é que o representante sindical participou da fase elaboratória dos acordos coletivos. A Lei nº 10.101/2000 prescreve a participação do representante do sindicato na comissão, mas não sua expressa anuência em relação aos seus termos”, afirma.

Segundo o advogado Leonardo Mazillo, do WFaria Advocacia, muitas vezes a assinatura do sindicato pode causar atrasos na aprovação da PLR. “Como nem todos os sindicatos estão adequadamente estruturados, se a empresa esperar por uma assinatura nunca vai pagar PLR”, diz.

O relator do caso também entendeu que o fato de os acordos serem fechados nos mesmos anos dos pagamentos não inviabilizaria os programas. O plano de 2003 foi aprovado no mês de fevereiro. O de 2004, em abril daquele ano. “A fiscalização considerou que, se a PLR vai se basear em um pagamento anual, a meta tem que ser esclarecida antes [do ano do pagamento]”, afirma Fleury.

Para a procuradora da Fazenda Nacional Raquel Godoy, é fundamental que o plano de PLR seja finalizado no ano anterior ao período em que o benefício poderá ser pago. ” O funcionário deve entender quais metas deve cumprir para receber esse beneficio, senão não é uma maneira de integrar o funcionário aos resultados da empresa”, diz Raquel, acrescentando que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) já recorreu da decisão à Câmara Superior do Carf.

Muitas vezes, no entanto, de acordo com Mazillo, as companhias têm dificuldades para traçar metas antes do fim do ano. “As empresas podem até ter indicadores, mas só sabem se vão ter lucro no dia 31 de dezembro. No último momento pode ter o fechamento de um contrato, uma explosão das vendas ou fechar o ano no vermelho”, afirma.

A terceira suposta irregularidade apontada pela Receita seria o fato de a companhia estabelecer um pagamento maior a diretores. Os acordos previam que as metas traçadas deveriam ser cumpridas por todos os trabalhadores, mas o valor a ser recebido pelos dirigentes seria especificado futuramente.

Para o conselheiro que relatou o caso, ao contrário do que entendeu o Fisco, a diferenciação não seria prejudicial aos funcionários. “Atendidos integralmente os requisitos, o valor recebido por um empregado do chão de fábrica seria o mesmo daquele do presidente, o que a meu ver inviabilizaria a aplicação do instituto [da PLR]”, diz o conselheiro.

A decisão administrativa, segundo advogados, pode incentivar empresas a fechar acordos com trabalhadores. Nos últimos dois anos, segundo Alessandro Mendes Cardoso, do Rolim, Viotti & Leite Campos, houve um crescimento no volume de autuações sobre o tema. “A decisão pode encorajar as empresas a optar por essa via, que beneficia tanto as companhias quanto os trabalhadores. A PLR é um fator motivacional e de engajamento do funcionário”, afirma.

Fleury concorda. “Nesse caso foi obtida a flexibilização dos procedimentos necessários para se fazer um plano de PLR”, diz. A procuradora da Fazenda Nacional, porém, considera que o Carf foi muito “liberal” na análise dos planos de PLR. “[A posição do Carf] vai diminuir a arrecadação de um regime [previdenciário] que já é reconhecidamente deficitário”, afirma.

O entendimento do Carf segue a jurisprudência do Judiciário, de acordo com advogados. Em 2010, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça também dispensou a assinatura de um representante de sindicato em um plano de PLR.

Bárbara Mengardo – De São Paulo